Amigo leitor, visto que a tv, a rádio e os jornais não nos deixam esquecer o Covid, venho, desta vez, referir um outro tema, mais ligado com o humor, embora não seja, de facto, engraçado… Gostaria de abordar o movimento que foi criado há cerca de seis anos chamado de “Je suis Charlie “, que surgiu – talvez não esteja recordado – a partir do atentado terrorista que ocorreu em janeiro de 2015, em Paris, na sede do jornal “Charlie Hebdo“.
Nesse ataque, foram assassinadas mais de uma dezena de pessoas, como resposta de um grupo de radicais islamistas àquilo que entenderam ser um número insuportável de investidas contra as suas crenças, materializadas em «charges» publicadas no jornal, que ridicularizaram a sua religião, a sua crença e os próprios cidadãos do Islão.
Após o atentado, verificou-se que o jornal pagou com o sangue dos seus mortos toda a polémica provocada pelas suas sátiras, pelas suas caricaturas.
Naquela altura, jornais como o “Libération” e o “Le Monde” começaram a utilizar a frase “Je suis Charlie“, como um símbolo, que, em pouco tempo, ganhou o mundo contra a vingança, o assassínio e o crime (premeditado) que mais que as mortes provocadas, colocou em causa a liberdade de expressão das pessoas.
Claro que a ideia de defender a nossa liberdade de expressão aparece aqui como a ideia chave! Afinal, não é possível ceder perante a opressão (representada aqui pelos islamistas radicais) …
A minha grande dúvida é sobre quem estava realmente a ser oprimido…. Será que os oprimidos foram os que morreram, como consequência de um ataque de ódio de um grupo ou será que esses foram os opressores que, durante anos a fio usaram a tão propalada “liberdade de expressão” para ridicularizar o modo de vida de outros? Não podemos esquecer que a nossa liberdade termina quando começa a do nosso vizinho!
Claro que todos temos direito a expor o que sentimos e pensamos! Não podemos é esquecer que esse direito não nos permite ofender o próximo! Só assim poderemos exigir os nossos direitos e impedir que os demais nos ofendam!
É por esse motivo que as democracias, que são controladas por representantes das maiorias, reúnem instrumentos de controle (como por exemplo, os tribunais) que impedem que as minorias sejam “atropeladas” pelas maiorias!
Como é óbvio, ao esquecer que eram membros de uma sociedade civilizada, em que existem instituições que defendem os nossos direitos e tomar nas suas mãos o direito de fazer o que entenderam como sendo justiça, os muçulmanos (um dos grupos mais ridicularizados pelo “Charlie Hebdo“) acabaram por perder a razão que tinham, pois transformaram os seus algozes em vítimas.
Atualmente, continua a existir a polémica dos limites que o humorismo ou a imprensa podem chegar. Vários humoristas defendem que esses limites não devem existir “para a defesa da liberdade de expressão” de cada um de nós.
Pessoalmente, não entendo como seria possível encontrar esses limites, pois, francamente, eles variam conforme o tempo, conforme o lugar e conforme as pessoas envolvidas.
Ao meu ver, esses limites acabam por ser criados por aquilo que é popularmente chamado de “bom senso”!
Para demonstrar isso, basta pensar que, se um humorista for fazer um espetáculo na sede do PCP para os seus militantes, dificilmente fará piada com o jerónimo ou com a festa do “Avante”… Porquê?
Simples! A resposta é: “O humorista não é burro!”. Ele precisa de inspiração para fazer piadas, mas sabe quando, onde e com quem deve aplicar as mesmas!
Finalmente, recordo que, há cerca de 3 ou 4 semanas atrás, um participante de um programa de concurso televisivo foi expulso desse mesmo concurso, por estar (supostamente) a fazer a saudação nazi no ar. Ele foi expulso, mas quando indagado se percebia o que ele tinha feito de errado, referiu que estava apenas a brincar e que não sabia da conotação das suas atitudes.
Eu até acredito que ele não soubesse mesmo, mas a ignorância não muda nada, pois o sofrimento que a recordação daquele gesto pode provocar nas pessoas que sofreram nas mãos dos nazis é indubitavelmente grande!
É o mesmo tipo de ignorância que permitiu que ninguém (legalmente) fizesse nada para impedir os exageros do “Charlie Hebdo” e que, também permitiu a criação do movimento ” Je suis Charlie “.
A ignorância é a mesma! As vítimas mudaram: antes eram judeus e agora são muçulmanos…
E a próxima vítima? Quem será?